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O investimento da nova geração
Enquanto US$84tri passam para os millenials e gen z, surge o questionamento: como eles investem?
84 trilhões de dólares. Esse é o valor esperado que os baby boomers passem para seus herdeiros até 2045. Com uma geração tão diferente da anterior assumindo as rédeas de um grande volume de dinheiro, podemos esperar mudanças nos tipos de investimento de maior sucesso. Para entender as novas tendências, o Bank of America divulgou uma pesquisa que busca responder à pergunta: como os mais jovens investem?

O estudo revelou que a nova geração de investidores – entre 21 a 43 anos – já não acredita que há forma de realmente enriquecer apenas com ações e títulos: 80% dos investidores jovens estão olhando para ativos alternativos como Private Equity, imobiliário, commodities e outros ativos tangíveis. O segredo parece ser a diversificação de portfólio, aliada a um fator de identificação. O dinheiro investido por essa geração reflete o que ela quer mudar no mundo. E quem ela quer enriquecer.

Isso de dar significado aos próprios investimentos também entra em pautas sociais: as novas gerações esperam estabelecer um próprio padrão e personalidade na filantropia, ainda que permaneçam dando suporte às causas de seus pais.
O estudo do BofA comprova algo que já vínhamos notando: os ativos alternativos estão se tornando protagonistas do mercado de capitais, nos Estados Unidos e no mundo. Com a riqueza passando para as gerações mais jovens, os impactos do novo perfil de investidor deverão moldar toda a nossa forma de investir.
Veja também

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Precisamos olhar para founders de fora do nosso círculo
Atualmente, o principal meio da empreendedora acessar investidores é através de suas redes de contatos. É comum vermos fundos com recomendações de que a melhor forma de chegar é via warm intros. Nesse sistema, a empreendedora deve chegar com validação de alguém que o investidor conhece e confia.
Essa validação é um primeiro “corta-mato” para investidores que analisam centenas de negócios. E quanto mais qualificada vem a oportunidade (e aqui me refiro ao “naipe” do introdutor) mais avançada a startup entra no funil de seleção.
Se seguirmos o princípio do Pareto, que nos ensina a fazer o 20% principal, responsável por 80% do resultado, o modelo de warm intros parece ser o ideal. O investidor constrói uma rede de contatos forte e qualificada, que origina os melhores negócios. A falácia aqui está no que configura os melhores negócios: pela lógica das warm intros, seriam fatores essencialmente demográficos e sociais, que excluem a grande maioria dos empreendedores e empreendedoras brasileiras.
Como investidores com a oportunidade (e responsabilidade) de apostar nos potenciais grandes negócios do futuro, deveríamos ter um sistema que beneficia verdadeiramente a qualidade dos negócios e das pessoas a frente deles, sem enviesar a análise pela sua origem.

Resgatando o Venture do VC
O mercado de Venture Capital se baseia na busca por outliers — negócios fora da curva, de alto crescimento. E o outlier é, na própria essência da palavra, um fora do padrão. Mas às vezes parece que padronizamos o significado de fora do padrão.
O empreendedorismo brasileiro vai muito além dos jovens com MBA em Harvard, MIT ou Duke. O Brasil é praticamente um continente: os problemas, soluções e oportunidades de cada estado são diversos. Mas nossa atuação baseada em uma rede fechada — qualificada, porém pouco diversa — nos impede de encontrar novos mercados. São Paulo concentra 31% do PIB brasileiro, porém mais de 80% do volume de Venture Capital. Precisamos descentralizar o investimento, e fomentar polos para além de São Paulo, Rio de Janeiro ou Floripa.

Lembro no começo do ano de conversar com um empreendedor e reproduzir, com certa segurança, a visão de que não falta capital para bons negócios. Adorava a frase do Sam Altman, de que é mais fácil receber investimento do que investir (ainda que o mercado norte americano é muito mais desenvolvido do que o brasileiro, temos capital em abundância por aqui).
Hoje entendo que essa visão se aplica apenas às startups que estão no círculo do VC. Analisemos os investimentos que acontecem: Há uma competição por um pequeno número de insiders deals. Os empreendedores têm o poder de barganha e podem escolher quem querem entrando na rodada, e vemos algumas vezes os mesmos fundos compondo juntos as rodadas.
Mas o círculo do VC é pequeno. Geralmente os investidores compartilham das mesmas redes de contatos (segundo o Emerging VC Fellows, os analistas de investimento são homens, moram em São Paulo e cursaram administração na FGV ou USP). Existe uma competição pelos melhores investimentos, mas nossa visão de oportunidades está muito restrita ao nosso meio. Não estamos todos pescando no mesmo aquário?
A próxima grande coisa pode vir de qualquer lugar
Quando completou 10 anos (2015) , o fundo First Round Capital publicou um estudo em que compartilha 10 lições aprendidas sobre performance dos investimentos. A Lição #9 é de que “A próxima grande coisa pode vir de qualquer lugar”: as empresas que eles descobriram via outros canais — Twitter, Demo Days — performaram 58% melhor do que as que chegaram via referência. Empreendedores que chegaram direto a eles, performaram 23% melhor.

Precisamos reconfigurar o Venture Capital para um modelo que não seja baseado em redes de contatos acima de talento ou oportunidade. Falta de diversidade nos empreendedores é um dos resultados dessa estrutura. Perder oportunidades fantásticas de investimento é outro.
Na prática, o que podemos fazer?
Expandir nossas redes
Redes são essenciais. Sempre acreditei (e com o Kria pude comprovar) o seu valor. Empreendedoras sem rede terão diferentes desafios pela frente. Empreender é se relacionar: para atrair talentos, negociar com fornecedores e acessar clientes. Mesmo se a rede é condição sine qua non para o sucesso de um negócio, não deveria ser para o investimento.
Em tempos em que os investidores oferecem uma gama de produtos para catapultar suas investidas, a rede é o principal deles! Nutrir uma rede forte é grande parte do trabalho de quem investe. Minha provocação aqui é por diversificarmos mais as nossas redes, torná-las mais abertas, e com espaço para que gente de fora possa também fazer parte.
Transparência na forma que as empreendedoras podem nos acessar
Deixar aberto, a mercado, o modelo de aplicação para receber investimentos. Esclarecer o tipo de negócio que busca, as validações prévias necessárias, e a melhor forma (e materiais) para receber e analisar oportunidades de investimento.
Deveria ser como um processo seletivo. A candidata vê a vaga, e deve atender os requisitos para aplicar. Em processos mais elaborados, pode-se aplicar questionários de pré-qualificações automáticas, ou até testes que já realizam a primeira filtragem.
Para o sistema funcionar, a empreendedora deve fazer sua parte: aplicar apenas para investidores que o englobam na tese, no formato solicitado (e com as informações solicitadas). Entendemos que há alta expectativa em jogo, mas recusar uma oportunidade de investimento é parte do trabalho — já vi empreendedores levando para o pessoal. Não leve para o pessoal.
Toda boa empreendedora deveria ter acesso às instituições de capital de risco. Claro que devidamente dentro da tese de investimentos, e seguindo um processo claro que não sobrecarregue os investidores. O ideal seria um sistema aberto e democrático, que filtre e qualifique o alto fluxo de negócios que surgem, mas que passado o filtro, dê atenção a eles, independente de conexão com a rede dos fundadores. E isso não é solucionado apenas com um produto, precisamos mudar a cultura!
Vamos lá?
Formulário para aplicação no Kria
É um modelo simples, criado no Airtable — versão gratuita, fácil de editar e ótimo para gestão de dados, com tudo o que buscamos em uma primeira filtragem: https://airtable.com/shrz6cFyOqJ57DwoQ
Tempo de resposta: 10 dias
Para quem é:
Seed a Série A
Faturamento de até R$10 milhões/ano
Empreendedoras(es) com forte tese de comunidade, em especial nos mercados de: Bens de Consumo, B2C, Marketplaces; SaaS e Fintech

Referências e aprofundamento
- Esse artigo do Del Johnson é a base e principal inspiração. Ele aprofunda ainda mais no tema.
- O livro Factfulness aborda uma visão macro sobre como limitamos nosso olhar para o mundo, e perdemos grandes oportunidades por isso.
- Artigo de André Francisco Alves Moura sobre diferenças regionais no cenário do Venture Capital, para Época Negócios
Um contraponto (porque é sempre bom conhecer diferentes abordagens):
- O fundo Astella compartilhou uma análise da origem de seu dealflow. Neste ano fizeram o primeiro investimento originado por um cold call. Eles construíram uma rede bastante rica, responsável pelas indicações de investimentos. A boa performance do portfólio pode respaldar a força da rede.
Por fim, algumas observações:
1. O que escrevo não é sobre a qualidade e potencial dos deals que estão sendo feitos, mas sim dos que não estão.
2. Minha provocação é também uma autocrítica. Temos muito a diversificar dentro do Kria!

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O dilema do efeito de rede
Durante este ano, a força do Tiktok — mais de 800 milhões de usuários, pauta diplomática em meio à maior crise de saúde do século — me provou a potência dos negócios baseados em rede. Por outro lado, a manifestação dos entregadores de aplicativos de delivery mostrou a fragilidade dos negócios baseados em rede.
As recentes discussões sobre os modelos de negócios das big techs e as formas com que exploram (ou manipulam) informações lançou luz sobre como os negócios que atingem um monopólio com uma rede conseguem influenciar e dominar mercados em escalas globais. Neste artigo compartilharei com você uma visão do fenômeno de efeito de rede.
A potência dos negócios baseados em rede
O efeito de rede (ou network effect) ocorre em um negócio quando o produto ou serviço se torna mais relevante de acordo com o crescimento da rede. Em outras palavras, quanto mais conexões fortes, mais valioso o negócio se torna, até atingir uma massa crítica que transforma a rede em um dos principais ativos e defesas da empresa.
O efeito de rede é na sua essência uma ferramenta de potencialização de negócios, e o seu valor é explorado de diversas maneiras: para redes sociais, cada novo usuário que se conecta e engaja é em si um ativo.Para marketplaces, quanto maior a demanda, mais atratividade para ofertar e vice versa. Outros negócios conseguem se destacar em dados: quanto maior a rede, mais informação ela gera, e a conversão dessa informação em inteligência fortalece por sua vez a vantagem competitiva. Temos casos de redes que constroem colaborativamente o produto com as empresas e redes que diminuem custos dos serviços.
Analisemos o TikTok: qual a graça do aplicativo para 5 usuários? Ou até 500? A frequência e diversidade de conteúdos é baixa. Você se conecta menos e gasta pouco tempo em cada conexão. Mas cada novo membro que entra no TikTok engrandece a rede, até um momento em que temos novos conteúdos surgindo a cada instante — as pessoas passam a se conectar mais e gastar mais tempo no aplicativo. O Tiktok fica então mais interessante e atrai mais usuários. Os novos usuários, por sua vez, aumentam a atratividade do aplicativo. E por aí vai (e foi, até os 800 milhões de usuários).
Número de usuários não é efeito de rede.
O efeito de rede é composto de:
1. Elementos: são os membros da rede — como os usuários ou as contas. Diferentes elementos podem ter variados papéis em uma mesma rede (ex. comprador/vendedor). O tamanho da rede é determinado pelo número dos elementos, mas isso não determina o valor dela.
2. Conexões entre os elementos: ligações que os elementos têm entre si, que por sua vez podem ser diretas ou indiretas, de 1:1 ou de 1:muitos. As conexões não são todas iguais — têm forças diferentes, de acordo com a frequência, proximidade e importância das trocas. A forma com que os elementos se conectam entre si, e as possibilidades de conexões, cria redes de diferentes densidades. Quanto mais interligados os elementos da rede, maior a sua densidade.

De acordo com o Venture Capital Nfx, 70% do valor criado no mercado tech desde 1994 vem do efeito de rede, sendo ele o principal atributo das empresas de tecnologia mais valiosas. Isso significa que o sucesso desses negócios está altamente atrelado à potência da rede. Para o bem e para o mau.
A fragilidade dos negócios baseados em rede

Na semana em que a Uber debutou na bolsa de valores, com um discurso inspirador sobre o valor dos motoristas para a construção da empresa, os motoristas estavam nas ruas protestando contra as condições de trabalho. Neste ano, entregadores das gigantes de delivery — iFood e Rappi — foram também às ruas protestar por melhores condições.
Quando os membros da rede não estão “fechados com o negócio”, o negócio está ameaçado.
É normal termos alguns elementos não fidelizados em nossa rede — e pode ser que esse é o contexto de Uber, Rappi e iFood. O problema é quando eles representam uma massa relevante e substancial para o valor do negócio: o membro insatisfeito abandona a rede (ou continuará lá até encontrar uma oportunidade melhor). O abandono em massa faz com que a rede perca o valor. A perda de valor gera um efeito de rede negativo. E por aí vamos novamente.
O que perpetua um negócio network based é a sua capacidade de continuamente gerar valor para a rede, e manter os elementos engajados e motivados.
E quando falo de mantê-los engajados, não é através de manipulação comportamental ou produtos viciantes. É sobre realmente olhar para os membros da rede, como participantes ativos e livres, e não como produto ou capital. Aqui entra a importância de se construir comunidades. Entenda comunidade como um senso de pertencimento, uma reação psicológica/emocional que fortalece o nosso vínculo com o negócio.
“ O senso de comunidade é o sentimento que os membros têm de pertencimento, o sentimento de que os membros importam um para o outro e para o grupo, e uma crença compartilhada de que as necessidades dos membros serão atingidas através do compromisso de estar junto” — McMillan

A dinâmica de construção de comunidades não é de hoje (e nem da época do Orkut!): é uma estrutura social básica. Nós nos conectamos a grupos de acordo com afinidades, contexto e objetivos em comum; e quanto maiores as similaridades, mais forte nossos elos e senso de pertencimento.
Se um negócio tem em sua essência a rede, é valioso que tenha com essa rede uma comunidade: que eleva os vínculos participante < > empresa e cria uma identidade forte, e que gera identificação entre os membros.
E claro, não basta chamar um grupo de comunidade para que ele o seja. Os participantes da comunidade devem perceber uma troca de influência — de que são importantes para o grupo, e de que o grupo é importante para eles — e uma intimidade com os outros membros — a sensação de que irão compartilhar histórias e experiências. Por fim, o mais importante, é a noção de que as suas necessidades serão atendidas por pertencer ao grupo.
Nesse momento — que o valor oferecido é bom o suficiente, que os momentos bons e os perrengues são compartilhados, e que há uma sensação de ser importante -, a rede se torna uma comunidade. E o efeito de comunidade é muito mais forte que o efeito de rede.
Originally published at https://www.snaq.co.

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Recado foi dado ao empreendedore. Mas e ao Venture Capital?
Nas últimas semanas a sensação no ecossistema das startups tem sido de caos. O que se percebia de forma sutil desde o começo do ano, ficou escancarado quando os fundos começaram a soltar seus avisos de tempos difíceis pela frente.
YCombinator e Sequoia Capital deram início a uma nova onda de manifestos de investidores avisando seus empreendedores que o mantra da vez é o “Cash is King”. Os cuidados dos fundos se tornaram, por sua vez, uma profecia autorrealizável, e até para quem estava tudo bem, não está mais.
Nesse cenário, me peguei pensando sobre o papel dos Venture Capitalists. Preparar seus empreendedores para o pior é fundamental, com certeza. Claro que devemos saber dançar a música do momento — e quando o contexto muda, temos que nos readaptar e mudar também, naturalmente. Mas enquanto os fundadores são os dançarinos, os Venture Capitalists são os próprios maestros.
E quando a música para de tocar, os maestros também precisam se adaptar.
O cenário macroeconômico é o grande propulsor da crise. Os juros altos diminuem a atratividade do capital de risco, e a inflação compromete toda a cadeia. O comportamento do mercado mudou — de consumidores, fornecedores, investidores. Mas para além disso, a sensação é de uma correção necessária, dolorosa, e que vem para o bem.
Nos últimos dois anos, o FOMO ditou o ritmo das rodadas. Era comum vermos investidores destacando que selecionavam negócios em poucos dias, ou até mesmo em poucas horas de reunião. Em grau de prioridade, capacidade de encantar pareceu mais importante do que capacidade verdadeira de execução.
Na mesma linha, mais de um empreendedor já me reportou o cenário de ter recebido dezenas de “nãos” dos fundos até que o primeiro corajoso disse o sim, e em um efeito dominó os antigos nãos se transformaram em um “mudei de ideia”.
O problema do FOMO é a geração de um efeito manada em que a maioria ditava a atratividade do deal, empreendedores de fora do círculo tinham menos acesso a capital e o valor atribuído aos negócios seguia mais a lei de oferta/demanda de um mercado altamente competitivo do que variáveis concretas para precificação de potencial de crescimento.
Ainda falando sobre valor, o esporte da vez era a caça aos unicórnios (negócios avaliados em U$1bi). É incontestável que quanto maior o negócio, maior o seu potencial de transformação e impacto. Mas a sensação é que o impacto do negócio em si ficou em segundo plano — e a unicornização se tornou o objetivo final. Com isso, incentivamos captações de volumes extraordinários — e com frequência vimos negócios que haviam captado há pouco, levantarem mais uma rodada para engordar o caixa, pois o apetite dos fundos estava alto.
Não me leve a mal, sou fã de muitos dos unicórnios e não me oponho a rodadas gigantescas quando o capital tem bom direcionamento, e principalmente quando o open bar financeiro não nos leva a gastos ineficientes e menos criativos. O problema está quando isso se torna o playbook de sucesso generalizado, e mais importante do que o negócio em si.
Estamos vendo agora uma mudança em valuations, em premissas de crescimento e na visão de cresça a qualquer custo. Que bom! Temos ainda um cenário desafiador pela frente, e essas correções de mercado atingirão também aqueles empreendedores que estavam em um movimento mais consciente.
Minha esperança então é que não seja em vão. Que para além de enviar recomendações aos fundadores, os VCs façam também suas autoanálises e que possamos, enquanto mercado, nos reestruturarmos de forma mais equilibrada. Com menos hype nos investimentos, menos FOMO ditando a regra, e com mais valor real sendo gerado à sociedade. Vamos refletir e sair melhor dessa. O futuro do VC pode ser muito mais democrático e equilibrado. E precisa ser.